Falar sobre adoção é muito especial ainda mais quando se observa que esse instituto traz consigo muito amor, generosidade e ao mesmo tempo um grande desafio por se tratar de um tema delicado que também carrega uma sensação de abandono. Hoje vamos conversar com a advogada Juliana Marinho, que tem desenvolvido seu trabalho na área do direito de família dentro de uma visão sistêmica. O ENTRELINHAS te convida a ler de coração e mente abertos o bate-papo com Juliana Caroline de Souza Marinho, advogada, especialista em Direito de Família e Sucessões, Mediadora de conflitos e Consteladora familiar em formação.
Amanda Ribeiro: Nós já ouvimos falar de adoção em que as pessoas interessadas se habilitam e aguardam serem chamadas a adotar uma criança ou adolescente. O que diferencia a adoção dentro desse conceito da visão sistêmica? Há um processo diferente?
Juliana Marinho: Não. O processo não é diferente, segue os preceitos legais. A visão sistêmica em nada modifica esse processo, senão, o olhar e a postura sobre a adoção.
Amanda Ribeiro: Você pode nos dizer então, o que é adoção?
Juliana Marinho: Bem, podemos dizer que a adoção é um gesto de amor que se consolida através dos vínculos afetivos construídos com uma pessoa que foi privada da sua família de origem, ou seja, é o acolhimento voluntário de uma pessoa em uma família. Na adoção podemos perceber claramente que a família é uma estrutura psíquica, elemento cultural muito mais do que da natureza, que vem se reinventando através das suas multiformas de estruturação parental.
O ato de entregar um filho para adoção e o de acolher são essencialmente atos de amor. Nessa relação não existem pessoas boas ou más e sim, pessoas que com amor estão a serviço uma das outras.
Amanda Ribeiro: Você disse que não há qualquer diferenciação até onde pude entender, mas, então, o que é esse olhar sistêmico de que você está falando?
Juliana Marinho: Pra começar, é preciso entender, dentro da visão sistêmica que a nós nos foi dada a vida e só há uma maneira de agradecer aos nossos pais o que eles deram, passando adiante o que foi recebido.
Tudo começa em um casal. Aqui me refiro a contribuição física de um homem e uma mulher no processo de fecundação. É através dessa união que a vida se faz. Então, a vida só foi possível graças àquela relação. E, se assim compreendermos podemos tomar a força da vida que há em nós e tomar também o amor de nossos pais, ou seja, aceitar o amor deles como é, como foi e como pode ser.
Para os filhos importa somente que ele veio daquele amor, daquela conjunção. Todo ser vivo que desfruta da alegria de viver está aqui graças ao amor de mães e a contribuição de pais.
Essa conjunção, sua forma de ser, não interessa. O que interessa, unicamente é a atitude da mãe que colocou sua existência e seu corpo à disposição do nascimento dessa vida, de forma que podemos dizer que só se vive – e aqui, todo ser que vive – pela abnegação pessoal de uma mãe, independente da circunstância da geração com a colaboração de um pai.
Ao filho não é lícito introjectar os “motivos” da mãe para aquela gestação, pois que isso faz parte do destino dela e não do seu. A ele interessa somente, o estar vivo e a abnegação de quem lhe possibilitou isso, devendo acolher a imperfeição daqueles que lhe possibilitaram nascer. Cabe-lhes celebrar a vida e vida grandiosa.
Às vezes, os pais, seguindo seus destinos, mesmo tendo dado a vida, bem precioso, por algum motivo não podem continuar o convívio, pelas mais diversas razões, quando então, os filhos serão inseridos em novo contexto familiar, para continuidade de seus destinos, dando-se isso, através da adoção.
Amanda Ribeiro: O que esperar para que uma adoção dê certo sob o ponto de vista sistêmico?
Juliana Marinho: A finalidade do olhar sistêmico é que a partir de uma relação de respeito entre precedentes e os que vieram depois, os conflitos existentes sejam compreendidos e aceitos para que se busque o sucesso almejado.
Na adoção é preciso se ter em mente que os pais biológicos sempre serão os pais da criança e este vínculo é indissolúvel e permanente, o que faz desta criança, pertencente à sua família de origem. Foram os pais biológicos que deram a vida àquela criança e ela sempre estará conectada ao seu sistema familiar de origem, mesmo que desconheça os pais e seus familiares.
As pessoas que decidem adotar outrem devem olhar com respeito e gratidão para o destino dos pais biológicos do adotando, pois foi através deles que este ser vivo chegou até o adotante e foi através de toda dificuldade que eles passaram, no exercício do papel de pai e mãe, que você, adotante pode viver essa experiência e cuidar dessa vida até o momento que ela necessitar.
Assim, sob a perspectiva sistêmica, para que a adoção dê certo, os pais que criam devem respeitar as três leis do amor de que fala Bert Hellinger (psicoterapeuta e filósofo alemão, precursor da constelação familiar) que são: pertencimento, hierarquia e equilíbrio entre dar e receber e reconhecer que os pais biológicos sempre serão os pais, respeitando-lhes, bem como o destino deles; agradecer a esses pais por terem dado a vida àquela pessoa e por ter a oportunidade de cuidar do filho deles para eles, bem como ensiná-lo a respeitar sua própria história.
Amanda Ribeiro: Me fala um pouco mais sobre essas leis do amor.
Juliana Marinho: Vou falar em linhas gerais, porque esse é um tema bastante extenso para tratarmos aqui e necessário uma nova entrevista (risos). Respondendo a pergunta, cada um de nós somos parte de um sistema familiar e temos o direito de pertencer a ele. A lei do pertencimento se sobrepõe às leis judiciais. Assim, uma decisão judicial não tem o condão de retirar de uma pessoa os genes dos seus pais biológicos e, para se incluir esses pais biológicos em uma adoção, uma possibilidade é mantê-los vivo no coração dos filhos e olhar com respeito para sua história.
Quanto à hierarquia, esta é definida pelo momento que começou a pertencer ao sistema. Quem veio antes tem precedência. Assim, o pensamento sistêmico nos mostra que os pais biológicos vêm primeiro que os pais adotivos e estes devem se colocar como cuidadores, independente do que tenha acontecido, nunca maiores do que aqueles.
Amanda Ribeiro: Qual a perspectiva ideal para que adoção se dê de forma mais leve de maneira que o amor se desenvolva mais naturalmente?
Juliana Marinho: O entendimento de que os pais adotivos se colocam a serviço de serem cuidadores de uma pessoa como substitutos ou representantes dos pais biológicos, com o intuito de ajudar a realizar o que não estava ao alcance desses. Afinal, quando se decide adotar uma criança ou adolescente, é preciso respeitar a sua história, a sua origem e entender que ao negar isso a ele estará negando-o enquanto pessoa.
Amanda Ribeiro: O que você pode deixar como mensagem final a respeito deste novo conceito?
Juliana Marinho: Primeiro, é preciso dizer que esse conceito foi criado por Bert Hellinger, a quem me filio e, trazendo para esse assunto específico que é a adoção e, por acreditar piamente que assim o é, posso dizer que o adotante, não sendo o gerador do adotado, deve seguir o conceito de que só pode adotar, porque pais biológicos vieram antes e lhe possibilitaram formar sua família sob este aspecto. Parafraseio Hellinger para dizer, sem dúvidas, que “a adoção tem todas as chances de ser um encontro de amor e desenvolvimento”. Nada mais profundo. Finalizando, em meus estudos pude constatar nas obras desse psicoterapeuta e filósofo alemão, uma verdade mais que presente de que, quando os pais adotivos respeitam e consideram os pais biológicos dá ao filho adotado, a certeza e a segurança de seguir em paz com seu próprio destino, pois que tem ele também um início, ou seja, não veio do “nada”, mas antes, foi fruto de um amor, como disse atrás.
Entrevista publicada no jornal da cidade Governador Valadares no dia 17/01/2021.